A primeira versão do documento foi enviada ao Congresso por requisição da própria CCAI. Já a segunda foi entregue por ordem do ministro Alexandre de Moraes, em resposta a um pedido da Procuradoria-Geral da República
O material é composto por dois relatórios da Abin sobre o episódio, e a comparação entre eles mostra que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, então comandado pelo general Gonçalves Dias, adulterou o primeiro relatório de inteligência enviado ao Congresso e retirou do documento os registros de que o general foi informado por mensagens enviadas para seu celular dos crescentes riscos de tumulto e de invasão de prédios públicos.
A informação foi confirmada à equipe da coluna por parlamentares que tiveram acesso nesta tarde aos dois documentos, numa sessão secreta da CCAI. Os documentos também deverão ser encaminhados à CPI do 8 de janeiro.
Os parlamentares constataram que o primeiro documento, entregue à comissão no dia 20 de janeiro e assinado pelo diretor-adjunto de Gê Dias, Saulo Moura da Cunha, não traz os onze alertas que o ministro recebeu no próprio telefone celular entre 6 e 8 de janeiro sobre a movimentação dos golpistas.
Só que esses mesmos alertas constam de uma outra versão do documento enviado pela mesma Abin à mesma comissão em 8 de maio passado – agora com o GSI já sob o comando de outro general, Marco Antonio Amaro dos Santos.
A primeira versão do documento foi enviada ao Congresso por requisição da própria CCAI. Já a segunda foi entregue por ordem do ministro Alexandre de Moraes, em resposta a um pedido da Procuradoria-Geral da República. No último dia 4, Moraes não só mandou que a Abin e a PM do DF fornecessem os relatórios À PGR como também determinou que a comissão do Senado enviasse todos os relatórios de inteligência que recebeu das autoridades.
Diz o documento enviado no dia 6 de janeiro às 19h40m: “Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios da Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das ações violentas.”
A mensagem seguinte, do dia 7, informa que 18 ônibus de outros estados chegariam a Brasília no dia 8 para engrossar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército. E acrescenta: “Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios”.
Uma das mensagens que só Gê Dias recebeu foi enviada na manhã do próprio dia 8, alertando que cem ônibus já haviam chegado a Brasília para os atos.
O general Gonçalves Dias pediu demissão depois que a CNN exibiu alguns vídeos gravadas pelas câmeras do interior do Palácio do Planalto no momento da invasão. Nas imagens, que antes haviam sido colocadas em sigilo pelo próprio ministro do GSI, ele aparece perambulando pelo Palácio sem tomar nenhuma atitude em relação aos invasores, enquanto alguns funcionários indicam a saída aos golpistas.
O ministro também negou em depoimento à Polícia Federal ter recebido alertas da Abin sobre os riscos de invasão e ataques aos edifícios-sede dos Três Poderes.
O ministro continuou negando ter recebido os alertas na semana seguinte, quando a Folha de S. Paulo publicou em primeira mão o conteúdo dos alertas.
As negativas do ministro vinham intrigando os investigadores da Polícia Federal e integrantes da própria Abin, que conheciam apenas o conteúdo dos relatórios originais e não sabiam que o material entregue ao Congresso havia sido adulterado.
A comparação dos dois documentos, feita agora, ajuda a esclarecer por que Gê Dias manteve a versão de que não recebeu nenhum aviso.
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O relatório de inteligência foi produzido pela Abin entre os dias 2 e 8 de janeiro e contém uma extensa tabela com três colunas. A primeira indica a data e o horário do envio; a segunda, o conteúdo das mensagens; e na terceira coluna aparecem os nomes contatos de quem recebeu cada mensagem.
Parlamentares que tiveram chance de analisar as duas versões do documento na sala-cofre da CCAI afirmam que a diferença entre eles é muito evidente. Mas não é possível saber ou inferir, apenas pela observação, quem suprimiu as informações e como isso foi feito.
A adulteração dos documentos oficiais pelo GSI de Lula, porém, tem tudo para se tornar o primeiro grande foco de investigação da CPMI do golpismo de 8 de janeiro, que abriu seus trabalhos nesta quinta-feira em um plenário do Senado e já soma quase 500 pedidos de requerimentos para ouvir autoridades ligadas ao 8 de janeiro, entre outras solicitações de quebra de sigilo.
Desses, cerca de 300 pedidos foram apresentados pela oposição bolsonarista, e o principal alvo é justamente Gê Dias. Já são 13 requerimentos pedindo a convocação do general.
Os advogado de defesa do ex-ministro Gonçalves Dias, assim como o diretor-adjunto da Abin, Alessandro Moretti, e Saulo Moura da Cunha, foram procurados mas não houve retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto aos citados.
Malu Gaspar – O Globo
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